sexta-feira, 29 de maio de 2020

Angola - Sobretaxa aérea interna


Emblema Aero Clube de Angola
Em 27 de Outubro de 1938 largou de Luanda com destino a Ponta Negra o avião S. Tomé (um Tiger Moth) do Aero Clube de Angola, sendo por ele expedidas as primeiras malas de correio por via aérea oriundas de Angola. Em 24 de Junho de 1936 quando se iniciou indirectamente a remessa de correio por via aérea o percurso desde Luanda até Leopoldville era efectuado por uma carrinha alugada à empresa SAPIC.


            Inaugurou-se assim oficialmente as carreiras aéreas do serviço aero-postal na Colónia, com ligação para o exterior por intermédio de Ponta Negra na África Equatorial Francesa. Todas as correspondências que se destinassem a Ponta Negra, para dali serem reexpedidas em avião, pagavam para além do porte ordinário referente ao país de destino, uma sobretaxa referente ao transporte aéreo.



            Tendo surgido na época dúvidas sobre o valor da sobretaxa aérea a pagar, a Repartição Central dos Correios e Telégrafos de Angola fez publicar no Diário de Luanda de 8 de Novembro de 1938 o seguinte esclarecimento:
            “A fim de elucidar o público sobre a cobrança da sobretaxa Avião das correspondências a expedir pela via aérea por intermédio da África Equatorial Francesa, muito agradecemos a V.Ex.ª a fineza de, por intermédio do seu conceituado jornal, esclarecer que a cobrança daquela sobretaxa é feita de acordo com as tabelas fornecidas pelas respectivas administrações:
            E como há a pagar o transporte extraordinário para a transmissão de tais correspondências á África Equatorial Francesa, houve necessidade de sobrecarregar as taxas dadas com a quantia de francos ouro 0,08 por cada 5 gramas.
            Nestas condições uma carta para a Europa paga aos correios da África Equatorial Francesa por cada 5 gramas ou fracção, a quantia de francos ouro 0,37 que sobrecarregada com os franco ouro 0,08 dá o total de Francos ouro 0,45.
            O valor do franco ouro para os Serviços de Correios, está computado em Angolares 8,00. Assim uma carta do escalão de 5 gramas de peso passa a pagar em moeda local a quantia de Ang. 3,60 da sobretaxa Avião”.

            O que se depreende deste esclarecimento prestado pela Repartição Central é que se deveria considerar dois tipos de sobretaxa de correio aéreo em cartas remetidas da Colónia: uma de 0,37 francos ouro a pagar aos correios da África Equatorial Francesa e outra de 0,08 de francos ouro (ou seja de 64c) correspondente aos custos a suportar pelo contrato assinado entre o Governo da Colónia e o Aero Clube de Angola pelo transporte das correspondências entre Luanda e Ponta Negra.

Em 24 Novembro 1938 em notícia inserta no Diário de Luanda este jornal apresenta exemplos mais concretos de tarifação das correspondências remetidas por via aérea.

Correio Aéreo
Taxas e sobretaxas para a Europa
            Para França e Córsega
                        Franquia postal
                                   Até 20 gramas                                                                       1$75
                                   Cada 20 gramas ou fracção a mais                                      1$00
                        Importância a entregar no “guichet” – sobretaxa avião
                                   Por cada 5 gramas ou fracção                                              2$56
                                   Pelo percurso Luanda – Ponta Negra                                     $64
                        Registo                                                                                             2$00
            Para restantes países da Europa
                        Franquia postal                                                        
                                   Até 20 gramas                                                                       1$75
                                   Cada 20 gramas ou fracção a mais                                      1$00
                        Importância a entregar no “guichet” – sobretaxa avião
                                   Por cada 5 gramas ou fracção                                              2$96
                                   Pelo percurso Luanda – Ponta Negra                                     $64
                        Registo                                                                                             2$00

Aplicando o câmbio de 8$00 por franco ouro teríamos que uma carta para França e Córsega pagaria 0,32 de franco ouro pelo percurso de Ponta Negra até ao destino + 0,08 pelo percurso Luanda – Ponta Negra num total de 0,40 de franco ouro por cada 5g ou fracção. Uma carta para os restantes países europeus, incluindo Portugal, pagaria 0,37 + 0,08 pelos mesmos percursos num total de 0,45 de franco ouro, por cada 5g ou fracção. Para além deste valor que deveria ser pago em dinheiro, (sendo o porte lançado na carta através sa aposição de uma etiqueta Mod. 264-A) as cartas deveriam ser franquiadas com selos correspondente ao porte ordinário no valor de 1$75 para os primeiros 20g de peso e de 1$00 por cada fracção de 20g acima daquele peso. Como as cartas remetidas para Portugal transitavam por um país estrangeiro aplicam-se os mesmos valores para o porte ordinário.

            Vem este tema a propósito por há pouco tempo ter adquirido através dos leilões da Ebay uma carta que numa primeira instância seria interessante porque foi transmitida num dos primeiros voos efectuados pelo Aero Clube. Mais concretamente a carta com o peso de 5g (Fig. 1) foi remetida de Luanda a 16 de Novembro de 1938 (4.º voo do Aero Clube de Angola) para Colmar em França com trânsito por Ponta Negra (17.11.1938). Recebida a carta fez-se o estudo da mesma e verifica-se que ela está perfeitamente enquadrada com as tabelas de porte em vigor. Pagou de porte ordinário em selos o valor de 1$75 (peso até 20g) e 0,40 de franco ouro em etiqueta mod 264-A pela sobretaxa de correio aéreo correspondente a: 0,08f pelo trajecto Luanda-Ponta Negra e 0,32f pelo trajecto de Ponta Negra-França.
Figura 1
            Perguntar-se-á porque razão uma carta que cumpre com o regulamentado pode assumir um carácter extraordinário? A verdade é que a aplicação dos regulamentos não foi fácil pelo que veremos a seguir. São invulgares as cartas correctamente tarifadas. Na generalidade dos casos não foi aplicada a sobretaxa interna do correio aéreo, principalmente na estação postal do Lobito. São invulgares as cartas correctamente tarifadas, no período que medeia emtre 28 de Outubro de 1938 e 28 de Fevereiro de 1939 (quatro meses).

            Vejamos agora alguns exemplos. Na figura 2 temos uma carta remetida do Lobito (08.11.38) para a Alemanha, com trânsito por Luanda (09.11.38) e Ponta Negra (10.11.38) no terceiro voo do Aero Clube de Angola. Com o peso de 4g manuscrito, pagou de porte ordinário 1$75 (peso até 20g) + 0,37f (peso até 5g) manuscrito em etiqueta Mod. 264-A, pagando a sobretaxa aérea correspondente ao percurso de Ponta Negra ao destino, de acordo com a tabela anteriormente apresentada. Ficou portanto por pagar a sobretaxa de 0,08f correspondente ao percurso interno. Poder-se-á alegar que tendo o esclarecimento público da Repartição dos Correios sido divulgado a 8 de Novembro de 1938, não tenha em tempo útil chegado ao conhecimento do Chefe de Estação do Lobito.
Figura 2
            Na figura 3 temos outra carta remetida do Lobito (29.11.38) para a Inglaterra, com trânsito por Luanda e Ponta Negra (08.12.38) no sétimo voo do Aero Clube de Angola. Tal como no anterior exemplo a carta com o peso de 3g manuscrito pagou de porte ordinário 1$75 (peso até 20g) + 0,37f (peso até 5g) manuscrito em etiqueta Mod. 264-A, pagando a sobretaxa aérea correspondente ao percurso de Ponta Negra ao destino. Ficou novamente e inexplicavelmente por pagar a sobretaxa aérea interna no valor de 0,08f.
Figura 3
            Na figura 4 temos um exemplo caricato. A carta com o peso manuscrito de 4g foi remetida do Lobito (08.01.1939) para Lisboa (19.01.39) com trânsito por Luanda e Ponta Negra (12.01.39) no 12.º voo do Aero Clube de Angola. A carta foi franquiada com selos no valor de 5$40 e ainda com a etiqueta Mod 264-A com o valor manuscrito de 0,37f. Ao câmbio da época e em valor local a carta deveria ter pago os seguintes valores:

            Porte ordinário (peso até 20g)                      1$75
            Sobretaxa do correio aéreo
                        Trajecto interno 0,08fx8,00Ag            $64
                        Trajecto exterior 0,37x8,00Ag          2$96
                                   Total                                           5$35

            Tendo em conta os selos aplicados eles pagaram o porte ordinário + sobretaxa aérea interna + sobretaxa aérea externa, existindo um excesso de porte de $05 normal e usual na época e despiciendo na análise. Porém não faz sentido a aplicação da etiqueta Mod. 264-A com o porte manuscrito de 0,37f, uma vez que o porte foi na totalidade pago através de selos postais. Esta apenas deve ser considerada a título meramente estatístico para cálculo dos pagamentos a efectuar à administração postal da África Equatorial Francesa, pelo transporte da correspondência por via aérea.
Figura 4
            Pelo que apresentamos verifica-se que nos tempos actuais temos que ser muito cautelosos na análise das correspondências de determinadas épocas, remetidas das nossas colónias. A aplicação dos regulamentos era avulsa e deficiente. Não havia coordenação dos serviços postais e muitas vezes os funcionários das estações postais não tinham capacidade profissional para analisar e aplicar as determinações emanadas das instâncias superiores.

            Porém deste pequeno apontamento fica a menção da existência de uma sobretaxa aérea interna em Angola para cartas remetidas para o estrangeiro, a acrescer às tabelas aprovadas no âmbito da UPU.

Bibliografia
                        Diário de Luanda

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